por Rodolfo Costa Pinto

Felicidade é uma palavra que raramente vem associada à ideia de eleições, ou mesmo de política em geral. Entretanto, dado a conjuntura política e social, a felicidade das pessoas influencia (e muito) os resultados eleitorais.
Essa é uma relação que ainda precisa ser estudada e aprofundada, mas sobre a qual vale a pena refletir.
Estudos acadêmicos recentes revelam que medidas de satisfação com a vida e a felicidade são mais importantes do que a situação financeira pessoal para prever o comportamento eleitoral de cidadãos e cidadãs. A relação se mantém também no estudo de populações inteiras.
George Ward, do MIT, analisou eleições europeias entre 1973 e 2014 e descobriu que a satisfação com a vida é um fator mais relevante que medidas como nível de desemprego ou crescimento do PIB para explicar o desempenho eleitoral de governantes disputando a reeleição.
A relação parece simples e direta: eleitores mais felizes e satisfeitos com a vida tenderiam a votar pela continuidade dos governos. Da mesma maneira, eleitores infelizes e insatisfeitos optariam pela mudança.
O caso do Brasil parece ilustrar perfeitamente essa teoria. Economia estagnada, eleitores infelizes e a classe política como um todo sendo reprovada pela população. Resultado: Jair Bolsonaro, o candidato mais anti-sistema entre os que disputaram a eleição foi escolhido como presidente do Brasil.
Mas, como dito lá atrás, a relação entre felicidade e eleições é mais complexa do que parece. O caso da Europa é ilustrativo. Segundo rankings de felicidade como o World Happiness Report, os cidadãos europeus parecem cada vez mais felizes. Contudo, o continente europeu é também a região onde partidos anti-sistema, especialmente os de extrema direita, ascendem em relevância social e política.
Na União Europeia como um todo, o percentual de pessoas que se dizem “satisfeitas” ou “muito satisfeitas” com a vida saltou de 77% em 1997 para 82% hoje em dia. No caso de Alemanha e Reino Unido, esse percentual passa de 90%.
E é na mesma Europa onde acontecem fenômenos políticos que estão a abalar a visão tradicional sobre a relação entre felicidade e eleições. Apesar do alto nível de satisfação com a vida da população, testemunhamos fenômenos como o Brexit no Reino Unido e a ascensão de líderes populistas em países como Itália, Polônia, Hungria, Áustria e mesmo na França.
Os Estados Unidos também servem como estudo de caso. A economia cresce sem parar e está prestes a bater o recorde de expansão econômica mais longa de sua História. O desemprego situa-se em níveis ineditamente baixos. Os salários aumentam cada vez mais e o país aparece em 19º no último ranking do World Happiness Report. Resultante disso, o polêmico e contestado Donald Trump, eleito em 2016, segue como um candidato competitivo para a eleição presidencial de 2020.
Cada país tem o seu contexto e não há intenção de reduzir a explicação de resultados eleitorais a apenas um fator. Eleições e o processo de escolha sobre em qual candidato ou candidata votar são temas altamente complexos e relativamente pouco estudados pela ciência política. O objetivo aqui é ampliar o debate sobre o impacto do nível de felicidade das pessoas, aspecto que parece ser negligenciado quando pensamos nos fatores que indivíduos levam em consideração para decidir em quem votar.
Observa-se então, especialmente na Europa, que a ligação entre felicidade/satisfação com a vida e resultados eleitorais não é tão simples quanto se presumia. Eleitores que se dizem felizes e vivem em países com bons indicadores sociais estão votando em partidos anti-sistema. Ou seja, apenas fazer com que o eleitorado esteja satisfeito com a vida não parece ser suficiente para garantir que os governantes se mantenham no poder.
Há algumas razões que podem explicar esse fenômeno. Em primeiro lugar, é possível que nesses países mais desenvolvidos e onde a economia segue crescendo (mesmo que lentamente), preocupações de caráter social e cultural sejam mais relevantes que preocupações econômicas. Se há empregos e salários razoáveis, por que o eleitor médio se preocuparia com a economia?
É uma explicação plausível. Porém, trazendo o debate de volta ao caso brasileiro, Jair Bolsonaro parece ter sido eleito muito mais devido ao seu posicionamento em relação temas sociais (anti-PT) e culturais (anti-corrupção), do que devido às suas propostas econômicas.
Uma segunda explicação e que me parece mais apropriada é que a satisfação com a vida e felicidade dos eleitores segue influenciando resultados eleitorais, mas de maneira mais sutil do que se imagina tradicionalmente.
No campo da psicologia a ideia de felicidade pode ser dividida em dois tipos: eudaimônica (“avaliativa”), ou hedônica. A felicidade avaliativa diz respeito a aspectos de mais longo-prazo, como estar empregado ou viver em uma boa casa. Esses são aspectos relacionados com o estado da economia de um local. Em pesquisas de opinião pública esse tipo de felicidade geralmente é mensurado pela pergunta “Em relação a sua vida no momento, você se diria satisfeito ou insatisfeito?”
É essa felicidade avaliativa que tradicionalmente se pensa estar relacionada com resultados eleitorais.
A felicidade hedônica diz respeito à felicidade de curto-prazo. Se o time de futebol ganhou o jogo, se algum parente morreu recentemente ou simplesmente se a pessoa passou muito tempo no trânsito para chegar a algum lugar. Nas pesquisas de opinião a felicidade hedônica geralmente é mensurada pela pergunta como “Ontem você diria que se sentiu feliz, com raiva, ou preocupado?”
Há evidências e estudos que indicam que é esse segundo tipo de felicidade, a hedônica, que parece mais afetar o resultado de eleições. O mesmo World Happiness Report já citado aqui mostra que o indicador de felicidade hedônica caiu na Europa entre 2010 e 2018, mesmo que a satisfação com a vida em geral tenha aumentado. Há também um estudo americano apontando fortes evidências de que o desempenho de times locais influencia no resultado de eleições para o Senado e para os governos estaduais.
Não conheço estudos específicos e aprofundados sobre felicidade no Brasil. Nosso país é apenas o 32º colocado no World Happiness Report. Como sabemos, há motivos de sobra para infelicidade dos dois tipos por aqui. Desde o alto nível de desemprego e endividamento das famílias até a preocupação constante com violência, corrupção e trânsito nas grandes cidades, em geral ultimamente não temos muito com o que nos alegrar.
Em termos práticos, isso pode significar que caso o cotidiano das pessoas no Brasil não melhore e elas sigam tendo razões para se preocupar ou sentirem raiva dia após dia, vejamos uma nova onda de renovação nas eleições municipais. Talvez até mesmo na eleição de 2022. Ainda que a situação econômica melhore com a possível aprovação da reforma da Previdência, Reforma Tributária e a volta do crescimento econômico, pode ser que as pessoas sigam infelizes com a vida devido a fatores de curto prazo e novamente optem pela mudança.
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